
Afinal, ao contrário do que anunciavam as teorias mais pessimistas, há cerca de uma década, a Escola Pública não corre o risco de acabar por falta de alunos. É mesmo por falta de professores!
Meias Notícias.
Nos últimos dias, o Expresso online publicou duas notícias sobre o assunto e colocou o foco, erradamente, na minha opinião, no facto de haver muitos professores de baixa médica. É verdade que os há e são muitos, mas não é a única forma de abandono. Muitos docentes optam por mudar de profissão. Hoje em dia, é fácil encontrar profissões com muito melhores condições de trabalho, mais estimulantes e valorizadas. Muitos outros reformam-se antecipadamente, mesmo perdendo 50% do valor da reforma. Preferem sair com muito pouco do que continuar a suportar um quotidiano muitíssimo desgastante e muito pouco valorizado e reconhecido. E há, ainda, os que já não querem ser professores. Quiseram, em tempos, mas descobriram, entretanto, que a profissão é muito exigente intelectual e fisicamente, pouco reconhecida e muito mal remunerada. Mudaram de sonho. Foram ser felizes de outra forma.
Fins de Semana e Férias Grandes
Uma das vitórias dos sucessivos governos, quer assumissem a Educação como paixão, quer não, foi criar a ideia de que a profissão docente era privilegiada porque tinha, ao longo do ano, diversas paragens, fins de semana e férias grandes. O absurdo foi tal que, de forma perfeitamente subversiva, substituíram a palavra “férias” por “interrupção das atividades letivas”. Um absurdo. Em primeiro lugar, porque durante essas interrupções os professores estão a trabalhar, depois, porque as suas férias estão contabilizadas como as de todos os outros trabalhadores e, por fim, nem sequer ficam a dever nada a ninguém porque são dos poucos trabalhadores do mundo que assinam o ponto de hora a hora, todas as horas, todos os dias. Nota-se mais quando um professor falta porque no dia em que ele falta o número de pessoas que sabe disso pode ir até 800! Se for um funcionário de uma empresa, sabe ele, o chefe e o colega e do lado e… ninguém lhes pede por contas… ou pedem… uns aos outros!
Esqueceram-se de referir, os políticos e os veiculadores de opinião pública, que esta é uma das profissões mais desgastantes na nossa sociedade. E não é preciso ser-se professor para saber. Os cônjuges dos professores sabem porque não saem à noite, nem vão de fim de semana porque a mulher ou o marido está a corrigir testes, a ver TPC, a fazer um plano de aulas, materiais, testes diagnósticos, trabalhos de parceria, etc… etc…
Não se quis saber do desgaste e cortou-se no artigo 79º do ECD (menos horas de aulas por idade), aumentou-se o número de alunos por turma, reduziu-se tempo do professor para o professor estar com o professor! Complicado? Eu explico: como se trata de uma profissão de alto desgaste, o docente necessita de tempo para perceber o que está a fazer, para refletir e para cortar o desgaste da exposição. No que respeita ao tempo de trabalho, criou-se uma complexa e inexequível grelha horária que só trouxe mais horas de ocupação aos docentes.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.
Os Endinheirados
Simultaneamente, surgiram notícias de que esta classe profissional era muito bem paga. Até houve uma alma brilhante que referiu tratar-se de uma das mais bem pagas da Europa. O que é objetivamente falso. Os docentes são mal pagos, em absoluto, e são mal pagos tendo em conta a exigência da profissão. A consequência de ter-se criado esta ideia foi simples: estratificou-se mais a carreira, eternizou-se o trabalho precário, e pagou-se ainda menos. Além disso, suprimiram-se 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho que nunca foram devolvidos. Basicamente, houve docentes que estiveram sem progredir mais de uma década, a mesma década em que perderam cerca de 40% do seu poder de compra. É por isso que, quando comparam os docentes aos trabalhadores do privado, os professores riem-se. De ironia e desespero.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.
Progressões Diretas
Ao mesmo tempo, nesta mesma década, quis desacreditar-se a profissão docente com o intuito de se operarem cortes financeiros na mesma. Uma das estratégias peregrinas foi disseminar a ideia de que os professores progrediam diretamente, sem qualquer escrutínio. E vai daí, implementaram-se modelos de avaliação de desempenho complexos, muito burocratizados e esvaziados de qualquer utilidade. É curioso que, ao mesmo tempo, os alunos portugueses estavam a dar cartas no PISA, no TIMSS, nas universidades nacionais e estrangeiras e no mercado de trabalho um pouco por todo o mundo. Nisso, poucos repararam. A maioria estava entretida a mandar avaliar esses preguiçosos, privilegiados a viver à custa do dinheiro dos contribuintes com progressões diretas. Por ironia, parece não haver dinheiro de contribuintes, ou não, que atraia os tais preguiçosos. Devem ter ido preguiçar para outro lado. E foram. A carreira, tal como está desenhada, não atrai os mais novos, prejudica os de meia idade e expulsa os mais velhos que não conseguem aturar a pilha de papéis sob a qual os querem soterrar antes de darem a primeira aula do dia.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.
Opinião Pública
A opinião pública dividiu-se. Muitos apoiaram os docentes. Pais e Encarregados de Educação incluídos. Muitos outros criticaram-nos de forma acérrima e violenta e todos pensaram que podiam falar de Educação. Não podiam. Porque não sabiam, mas ninguém os informou disso e os veiculadores de opinião, e as associações das associações de pais, sempre em nome do melhor para as crianças, e jornalistas, sociólogos, politólogos, opinadores, comentadores, analistas, o gajo no balcão do bar, a senhora na fila da loja do cidadão, o tipo no comboio e o outro no autocarro, todos, de repente, ficaram especialistas em Educação, esqueceram-se de que já havia especialistas em educação, os professores, e lá foram vomitando opiniões, ideias peregrinas e outras que tais para endireitar essa corja de beneficiados. E não pensaram, nem viram, que estavam a desgastar e a desacreditar alguém em quem deviam confiar. O mais curioso é que criticavam, mas continuavam a mandar os miúdos à escola…
Veio o tempo das comparações com o privado até se descobrir que os putos da Escola Pública chegavam mais longe nos cursos superiores e com melhores notas, e veio o tempo das comparações com a Finlândia até se descobrir que boa parte da mão de obra qualificada na Finlândia era portuguesa… ups!
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.
E agora?
Agora não há professores. Não há.
Uns estão de baixa, desautorizados, desvalorizados e agredidos, são a principal fonte de clientes para a psiquiatria. Outros reformaram-se com cortes brutais nas pensões. Preferiram isso a ir parar ao psiquiatra. Outros mudaram de profissão. E a mesma opinião pública que desacreditou a profissão incutiu nos mais novos a ideia de que a profissão não valia a pena. E eles, que são bons ouvintes e inteligentes, escolheram outros caminhos. O irónico nisto tudo é que muitos dos críticos destes profissionais andam, neste momento, à procura de um desses profissionais e não o têm. Por preço nenhum!
E agora, meus amigos, não há outro caminho que não seja o de revalorizar a profissão. Vão ter de pagar aos professores para terem professores. E as médias de entrada no ensino superior para formar professores vão ter de subir. Eu bem sei que a medicina é fantástica e as engenharias são soberbas, mas sem professores, sem esses aptos criadores de ambientes de aprendizagem, não há medicinazinha, nem engenhariazinha… é que para se ser qualquer coisa na vida tem de passar-se por professores, mesmo para se ser professor. Por isso se chama de meta-profissão. Ora, as faculdades que formavam professores, as mesmas que costumavam estar a abarrotar de candidatos às centenas, a encher auditórios para aulas com 200 e 300 alunos a assistir, têm lá, agora, uma mão cheia deles num gabinete exíguo e alguns vão descobrir, entretanto, que não vale a pena…
Enquanto o país não assumir a Educação como uma prioridade nacional, A prioridade nacional, enquanto o país não decidir dignificar esta carreira e estes profissionais, todo o edifício cultural e profissional continuará a desmoronar-se. E qualquer dia não serão só os professores que não existem. Não existe mais nada. Não existe país. Dignificar a profissão docente não é uma opção, não é objeto de discussão. É uma urgência nacional. Ou faz-se, ou morre-se por não ter feito.
João Paulo Videira, Professor.