Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Solitária Tortura

Quero pecar
Os meus pecados.
Não posso deixá-los para trás.
Quero acariciá-los
Como se acaricia
Uma existência.
Um prazer breve e fugaz.
Quero os excessos
E as luxúrias.
A presença
De todas as coisas
E a sua ausência.
O lume a arder
E o seu reflexo
Na taça de vinho abandonada.
A luz do luar
Na tua pele desnudada.
Quero do teu choro
A erótica heresia.
Quero o teu corpo
Na minha língua
Sabendo a maresia.
E quero que me faças
Uma oração
Submissa e tentadora.
A prece dos pecadores
Sob a rotina redentora
Do amor.
E hás-de ser minha
Para sempre.
E sempre será o que quisermos.
Será o tempo de um beijo.
Um lânguido beijo deleitoso.
Ou então uma eternidade.
A eternidade de acolher-me em ti
Sem chão, nem mar, nem radar.
Só o toque cego e prazeroso
De quem tenteia a felicidade.
E peco.
Peco o pecado de fechar-me
Para o Universo
E ressuscitar em ti
Pelo toque,
Pelo urro,
E pela palavra feita verso.
Não quero o pecado
Pelo pecado.
Quero o pecado
Do teu desejo
A arder-me na carne.
Quero as tuas unhas
A arranhar-me
Como um náufrago perdido.
Teu corpo único
A meus prazeres estendido.
E quero saber
Que sabemos
Que pecamos.
Consciência inútil
E vital.
Quero finalmente acreditar
Que vieste a ser minha.
E quando, à noitinha,
Encostares teu corpo
Ao meu
Antes de dormir.
Quero estar pronto para partir.
E levar comigo nossos pecados
Envoltos em ternura.
E algum que nos tenha escapado
Seja da alma, em paz,
A solitária tortura.

jpv


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Brinde à Mãe

À Mãe que me trouxe
Ao mundo.
Ao amor verdadeiro
E profundo
Que me ensinou
Ao nascer.

À Mãe mulher
Que se fez Mãe
De amor e poder,
Que sabe, a lágrimas
E sorrisos,
Que pode ser Mãe
Quem quiser
Quem souber aprender
O dom de dar,
A dádiva de receber.
A Mãe que se fez Mãe
Pela vontade absoluta
E cega
De aprender a amar
De aprender pela entrega.
De sofrer o arrepio de Mãe na pele.
À Mãe de Isabel.

À Mãe dela.
Vivida aguarela
Do passado
No presente.
Mãe que sabe e sente.
Mãe proteção,
Mesmo ausente.

À Mãe de meus netos
Senhora de passos leves
E olhar intenso.
Mãe de todos os afetos.
A Mãe que nasceu Mãe
E se ensinou a maternidade.
Uma mãe jovem
Com gestos nascidos
Numa longínqua antiguidade.

À Mãe de meu filho.

À Mãe de minha Mãe
E à Mãe de meu pai também.
Mulheres de um tempo
Que já não vem.
Mães de antes de eu saber
Que havia Mães.

A todas as Mães antigas
E recentes.
Origem e amparo
Das gentes.
Amor genuíno e puro.
Mães na Luz,
Mães no luto e no escuro.
Mães de mãos estendidas
E braços abertos,
Mães que ensinam pelos erros
E pelos acertos.
Mães do perdão
E de esperar o refluxo da revolta.
Mães com o coração nas mãos
E o olhar na porta.
Mães com relógio nervoso
Ou sem relógio, sequer.
Mães do homem.
Mães da mulher.
Mães de todos…
Mães da dor.
Mães do sofrimento.
Mães de apagar-se a existência
Quando era seu, o momento.
Mães públicas, a lutar,
Mães do incerto
E também do exato.
Mães do anonimato.
Mães que se importam
E Mães que fingem
Não se importar.

Não há meias Mães.
Há só Mães a dobrar.
A dobrar o choro
E o riso.
A dobrar a dor
E o prazer
Pelos filhos vivido.

Às Mães
E às Mães delas também.
Mães de todos os dias
Porque todos os dias
São dias da Mãe.

jpv