Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Crónicas de Maledicência – Conchita Wurst: A Diferença Incomoda

9 comentários

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Crónicas de Maledicência – Conchita Wurst: A Diferença Incomoda

Conchita Wurst é uma moça austríaca que ganhou, este fim-de-semana, o Festival Eurovisão da Canção. E vai daí toda a gente, e quando digo toda a gente, refiro-me ao mundo inteiro, começou a falar dela.

Até aqui, aparentemente, tudo bem. Só aparentemente. É que ninguém, desse toda a gente, resolveu falar da canção, da voz da cantora, do mérito, ou não da vitória. Nada disso. O mundo inteiro concentrou-se na barba de Conchita. E isso deixou-me triste. Triste, porque eu às vezes deixo crescer a barba e ninguém fala dela. Triste, porque expurgamos todo o tipo de diferença sempre com o pressuposto de que “isto não é nada comigo”. Triste pelo exacerbado e desrespeitoso exercício de preconceito. Os seres humanos são corrosivamente preconceituosos e exercem essa mesquinharia sem o mínimo de critério. Basta que seja diferente. E, se for diferente, incomoda. Muitos, não sabem nada da moça. Viram uma foto, leram ou ouviram alguém a dizer mal e vai de fazer eco do preconceito.

Esteticamente, eu não gosto da opção. Acontece que isso não me dá o direito de ser desrespeitoso nem insultuoso. Eu próprio tenho diferenças e quero que as respeitem. Acho, por isso, que um bom caminho para respeitarem as minhas é respeitar as dos outros. Logo, podemos manifestar o nosso gosto por uma opção estética ou dizer que não gostamos. Destruir, por princípio, é preconceito primário.

De resto, quem somos nós, humanos, para criticar a diferença. Uma mulher de barba? Era o que faltava que isso fosse o mais incomum que vimos até hoje. Se vivemos com homens de longa cabeleira loira, se vivemos com negros de cabelo oxigenado, se vivemos com mulheres de cabeça rapada, e outras de cabeça tapada, se vivemos com homens e mulheres tatuados, com brincos, piercings por todo o corpo incluindo onde o prazer acaba e a vida começa, furos nas orelhas, no nariz, as roupas mais extraordinárias que se pode imaginar, unhas pintadas, caras maquilhadas, se convivemos com pessoas que usam brilhantes nos dentes e anéis nos dedos, se convivemos com pessoas que não usam nada disto e optam por uma gravata a sufocar o pescoço e um fato cinzento num dia de Verão, porque raio nos há de incomodar a barba da Conchita? Enquanto humanos, não temos autoridade moral para criticar a diferença pois é, ela mesma, um dos nossos principais traços comportamentais.

Enfim, criticar, criticar, só me apetece criticar o nome, Conchita. Sei lá, Conchita faz-me lembrar espanholas, touradas na Andaluzia, Malaguenhas com vestidos de roda às bolas vermelhas, castanholas e olés. A Conchita merecia um nome mais helénico. Digo eu.

Já quanto à canção, deixem-me dizer-vos que gostei bastante, tem um crescendo melódico muito bonito e a Conchita tem um vozeirão de fazer inveja. Olha, fazer inveja, será que… Enfim, para os Amigos e Leitores de MPMI poderem avaliar convenientemente, aqui ficam a canção e uma entrevista com a mais recente vencedora do Festival Eurovisão da Canção.

TenhoDito!
jpv

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

9 thoughts on “Crónicas de Maledicência – Conchita Wurst: A Diferença Incomoda

  1. Meu caro, sua crônica me fez refletir sobre alguns pontos e rever alguns posicionamentos meus sobre um tema que me toca pessoalmente de forma muito particular. O preconceito, este tipo de ódio que já nos parece uma segunda pele, tão rente (e é difícil afirmar que algum de nós não carregue algum tipo de intolerância ao que destoa do que nos parece normal), que quase soa como pleonasmo a expressão “pessoa preconceituosa”!
    Você fala em preconceito primário e isto me fez pausar a leitura precisamente porque pra mim o preconceito é primário por definição. Poderia haver preconceito excogitado, deliberado após profunda reflexão? Poderia haver preconceito consciencioso, ponderado? E você me deixou este gosto de dúvida na boca… vou ruminá-lo a noite toda… vou levá-lo para a cama comigo… Nos falamos amanhã sobre isto?

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    • Olá! Numa coisa estamos de acordo: não há preconceito exógeno! Todo o preconceito é intrínseco e endógeno. Contudo, chamo primário a um tipo de preconceito que nasce no indivíduo e vive com ele exatamente como você tão bem descreveu, “uma segunda pele, tão rente”. Há, no entanto, a meu ver, um outro, aquele preconceito seguidista. Não estava no indivíduo, mas ele prefere ser, como dizemos por aqui, “uma Maria vai com as outras, ou seja, seguir um pensamento alheio por comodismo do que dar-se ao trabalho de pensar e elaborar suas próprias ideias. A minha diferenciação radica aí, mais nada. Grato por seu comentário. jpv

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      • Bom dia (aqui são 7:15 da manhã). Sabe que eu estava tão cansada ontem que adormeci sem maiores cogitações?! Mas, agora que você tocou neste aspecto de o preconceito vir de dentro pra fora ou o contrário, fiquei pensando, talvez guardemos (como já li em algum lugar) resquícios de instintos primitivos de sobrevivência em que era necessário reconhecer os iguais e expurgar o diferente. Fora isto, não há o que explique alguém nascer com uma semente de ódio a germinar por dentro. Acabo de desligar a televisão. O noticiário anda insuportável por aqui. E os turistas que virão para a Copa do Mundo acham que vão encontrar um paraíso tropical. Vivemos em guerra em tempos de paz. Desperdiçamos nossa liberdade de expressão porque nos expressamos mal. Quando as coisas não vão bem, a violência explode, geralmente na direção errada (se é que há direcionamento certo pra atos de violência). Se o governo não garante a segurança, as pessoas resolvem tomar a justiça por suas próprias mãos e barbarizam. Nas últimas semanas eu soube de três linchamentos, sendo dois totalmente equivocados, baseados em boatos. Penso que a violência é o argumento dos ignorantes. A democracia só funciona com educação. E nós ainda nem aprendemos a votar direito. Eis aí. E mais eu teria a dizer…
        Ainda bem que nascemos com a semente da esperança também, não?

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        • Bom dia! Aqui são 09:27. Hoje joga o Benfica, meu clube do coração. É uma final europeia contra uns espanhóis de Sevilha. E não encontro na vida muitos mais lenitivos para o sofrimento. É o amor, quando existe, é a escrita, sempre, e é o futebol, ferverosamente sempre. E sabe. Sinto sua apreensão percebo as fortes assimetrias dessa grande nação. Meu filho está aí agora. Vive em Porto Alegre por seis meses, fazendo um semestre de seu curso num intercâmbio. E fala maravilhado de sua terra, miss Aurea! Para mim, que estou de fora, eu vejo o Brasil como todo o mundo, menos os brasileiros: uma fenomenal e poderosa nação, prenhe de oportunidades e assimetrias. Deixe-me dizer-lhe isto: Não há Brasil sem futebol! O Brasil hodierno tem uma identidade da qual fazem parte os Pelés, os Romários, os Ronaldinos, os Neymares, desta vida. Brasil sem copa é que nem sopa sem água! Tem tudo, mas não é sopa! Eu hei de fazer uma crónica sobre isso. Os brasileiros, me parece, estão fazendo da Copa um bode expiatório e nem se apercebem que estão matando sua própria cultura. Não há Brasil sem Samba, sem Carnaval, sem Futebol, sem calçadão, sem Garota Gostosa… são marcas culturais, não são virtudes nem defeitos, e muito menos culpados! O Brasil tem de resolver as assimetrias? Claro que sim! Mas isso tem de ser um processo inclusivo de seus traços culturais. Vocês hoje acabam com o Futebol e amanhã exigem-vos o ar que respiram. É que o ar ’tá caro e há gente a morrer nos hospitais!! Valeu!

          Estou lhe curtindo, cara. Sê é uma interlocutora motivante!
          Até mais ver!

          PS: Quando Portugal não joga, a gente aqui torce pelo Escrete!

          jpv

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          • Bom dia. O fuso horário nos coloca um a tomar o café da manhã, outro a almoçar. Fora isto, compartilhamos dos mesmos poucos lenitivos. Não sei se para as mesmas dores. Eu torço por um time de outro estado, o Corinthians, além do time da minha cidade, o Londrina, que disputa a série D da Copa do Brasil. Além dos estaduais e do Campeonato Brasileiro, temos a Taça Libertadores da América, com os times aqui da América do Sul. Agora, estarei na expectativa também pelo Benfica, eu, que não tenho o hábito de acompanhar a Liga Europa. Concordo com você, o futebol está ligado à identidade desta nação. Indelevelmente. Já foi chamado de “ópio do povo”, já foi usado como massa de manobra nos tempos da ditadura e o sucesso desta copa e todos os movimentos pró ou contra atrelam-se inevitavelmente à campanha para as eleições que ocorrerão em outubro deste ano. Não faço oposição a este governo, nem à realização do mundial. Todos os problemas ressaltados nas manifestações já existiam antes mesmo de um ou de outro. Perpassaram governos de direita e de esquerda. O grande vilão aqui é a corrupção, outro elemento da nossa identidade nacional, este sim, passível de ser expurgado. Não vamos acabar com o futebol, não tema! Não seríamos loucos. Haveria suicídios em massa, níveis epidêmicos de depressão e, aí sim, nosso sistema público de saúde entraria em colapso.
            Também estou lhe curtindo, pá!
            Salve o Benfica e o Escrete!!!
            acs

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          • Salve!
            Sua bola eu conheço. O Corinthians. É engraçado, em Portugal também é muito comum as pessoas seguirem duas equipas. Uma de dimensão nacional e internacional e outra mais regional.
            Bebi suas palavras e… parei na perturbante. Em jeito de traço impreciso e sintético, eu diria que na Humanidade há dois grandes males. A ignorância e a corrupção. E, por mais que doa aceitar, não há inocentes. Quando não praticamos uma das duas, deixamos que aconteça. Não é nada conosco. Mas é. Tudo é conosco.
            Depois a tranquilidade. Minha novel e interessante amiga me sossegando: “Não vamos acabar com o futebol, não tema!” Ufa…

            Sobre aproveitamentos, como já disse, escreverei crónica. Vêm de todos os lados e pressinto que você, vocês, já perceberam isso.

            Um abraço intercontinental!
            Se vir por aí meu filho, lhe dê um beijo. Tou morrendo de saudade…

            jp

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  2. JP,

    Já te disse isto várias vezes, mas há em ti três qualidades que admiro em particular. A primeira é que não tens “papas la língua”! Quando algo te toca, te revolta, te incomoda, manifestas-te com força e determinação. A segunda, é a ausência de preconceito que te faz ver o mundo sem pensar primeiro como deverias vê-lo, mas aceitando-o como ele é. A terceira, é esta fabulosa capacidade de escrever uma crônica que o diga de forma tão forte!

    Quanto ao que estava em jogo no concurso, e apesar de não ter visto a emissão, eu acho a canção e a interpretação dignas de elogios!

    Beijinhos!

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  3. “Ela” é travesti mesmo, porém penso que devemos, sim, respeitar os outros em suas diferenças de ser e viver, mesmo que não seja do nosso gosto, porque gosto não se discute, não é?
    Bjs… MP 😉

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