Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 18

9/8/2010 – 23:41h. – Georgioupoli
Chegámos a Georgioupoli às 22h. Exaustos. O dia foi preenchido e cansativo. Depois da praia de Preveli, ainda visitámos o mosteiro com o mesmo nome, uma localidade chamada FrangoKasteli que tem um castelo com uma história impressionante de resistência e sangue, e visitámos, de passagem, a praia de Plakias.
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Nota sobre costume cretense muito bizarro 1: hoje, pela primeira vez, fotografei as famosas placas de sinalização de trânsito em Creta. Muitos cretenses, sobretudo das zonas mais interiores e montanhosas, como é o caso das que visitámos hoje, guardam ainda armas da segunda guerra mundial, sobretudo pistolas. Como não têm grande uso para dar-lhes, usam-nas fazendo tiro ao alvo aos sinais de trânsito. O Governo não os substitui. Coloca novos sinais ao lado dos “baleados” a ver se uns servem para o tiro ao alvo e os outros como sinais de trânsito, mas já encontrámos das novas bem perfuradas.
Nota sobre costume cretense muito bizarro 2: os cretenses, quando não concordam com a quilometragem assinalada nas placas de trânsito, apagam-na com um produto escuro e escrevem a quilometragem certa ao lado. Pensávamos que isto era vandalismo, mas não é. Hoje, em pleno em dia, vimos um homem em cima de um tractor a corrigir os quilómetros assinalados numa placa. Ele achava que faltavam 8 e não 11 para certa localidade!
Nota rodoviária: A viagem de regresso a casa correu bem pela estrada no cimo da serra que é à beira-mar. Vistas muito bonitas, claro. As curvas e o traçado fazem lembrar a Ilha da Madeira mas ainda mais íngreme. Deparei-me com vários cretenses aventureiros em ultrapassagens de frente para mim, na minha pista. Eles são perigosos na condução. Estão sempre em rali. Às 21:30h. deparei-me com um rebanho de cabras selvagens a dormir no meio do asfalto. Tive de ir pela faixa da esquerda porque elas não se levantaram.
Placa de trânsito “baleada”
Placas de trânsito muiiito “baleadas”
São colocadas placas novas junto às velhas na esperança do “baleanço” não as atingir, mas, como se vê pela foto, nem essas escapam.


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 17

9/8/2010 – 18:22h. – Preveli

Preveli é uma praia a que se acede descendo um enorme rochedo de 300m de altura. Mas não é isso o que a torna especial. O que a torna especial é o facto de ser ao mesmo tempo uma praia de mar e uma praia fluvial. Há um rio que desce por entre os rochedos da montanha evem desaguar numa praia de areia que, do outro lado tem o mar de azul intenso. Há pessoas na praia viradas para o rio e há pessoas viradas para o mar. Já há muito anos foi aqui plantada uma floresta de palmeiras que embeleza e dá sombra às margens do rio. A única desvantagem deste local paradisíaco é o regresso ao carro porque a subida vai ser dura!

Hoje passámos em dois estreitos que se podem visitar de carro e fomos a Kourtalioko. É um desfiladeiro a que podemos aceder descendo por caminho íngreme de escadas. Quando se chega à parte mais estreita entre as montanhas, há uma capelinha de São Nicolau e mais abaixo esplêndidas cascatas de água com cerca de 10m de altura que fazem depois pequenas represas. Claro que fomos ao banho.
Agora estamos à beira-mat, a ganhar coragem para subir até ao carro. Há pouco estivemos a comentar que a Natureza aqui em Creta é tão espectacular e tão diversa que hoje já fomos ao banho três vezes só pelo entusiasmo.
Agora vamos fazer o caminho entre Preveli e Xôra Sfakia que é uma estrada no cimo da serra à beira-mar!

Preveli

Preveli

Preveli

Preveli

Preveli

Preveli

Preveli
Kourtaliotiko

Kourtaliotiko

Kourtaliotiko

Kourtaliotiko

Kourtaliotiko


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 16

9/8/2010 – 11:45h. – Argiropoli

Estamos a tomar o pequeno-almoço. Não, não é tarde. Em Creta o pequeno-almoço pode ser entre as 11h. e as 13h. e o almoço pode ser até lá para as 15h. A hora do calor mais forte aqui é por volta das 16h. Ao meio-dia o tempo ainda é fresco. Estamos na sala de jantar de um restaurante sem paredes nem tecto, nem ar condicionado. À nossa esquerda e à nossa direita correm duas cascatas abundantes de água límpida por entre árvores frondosas. O fresco é natural. É um momento diferente e tranquilo. Bebemos café e comemos pão recheado com queijo e regado com mel.

Argiropoli é uma terrinha onde irrompe água por todo o lado. Há cascatas e água correndo nas ruas, na estrada, ao lado das casas e dentro delas(!).

Às 9h. da manhã fomos ao magnífico lago Kournas. É um lago enorme no meio da serra. Tem duas cores. Azul muito escuro no centro e azul turquesa na orla. O lago é fechado a toda a volta. A água vem da serra e segue para o mar porque o lago, ao centro e no fundo, tem uma abertura natural por onde a água se escapa. Fomos ao banho no lago e em vez da água fria que esperávamos, encontrámos uma água límpida e morna. Foi espectacular.

Esta semana temos carro. Para visitar lugares mais inóspitos resolvemos alugar. A greve dos combustíveis já acabou.

Argiropoli

Lago Kournas
Lago Kournas
Lago Kournas

Lago Kournas


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 15

7/8/2010 – 15:40h. – Agia Roumeli
O barco parte daqui a 5 minutos. Estou só. Completamente só pela primeira vez desde que chegámos à ilha. A informação é tanta que nem sei por onde começar. Se pelas dores insuportáveis, se pela paisagem assombrosa que me acompanhou ao longo do dia, se pela maravilha que observo agora.

Comecemos por aqui. O mar é de um azul indescritível, denso e homogéneo. Acho que parece uma imensa pedra preciosa de tão intenso. À medida que trazemos o olhar para mais perto, vai ficando turquesa e aqui debaixo do barco junto à praia de Agia Roumeli é cristalino e transparente. Esta terra tem meia dúzia de casas, outros tantos carros, dois cafés, uma pensão, um porto e uma praia maravilhosa em forma de baía. É a primeira vez que vejo ao vivo um azul assim. Aqui só se pode vir de barco. Os poucos carros que cá há foram trazidos por este barco e como só aqui há três ruas os carros não são usados para andar aqui mas para levar e trazer produtos para as outras terras. Carregam-nos, levam-nos de barco e depois transportam-se com eles no resto da ilha.

A outra forma de cá chegar é vindo a pé. Claro que, para isso, é preciso caminhar ao longo de 18km pelo meio da Serra Branca (Lefka Ôra) atravessando o desfiladeiro de Samaria. Foi o que fiz. Com o Iago. Claro que me esqueci que ele tem 19 anos e eu 42 e uma velha lesão de 26 anos no joelho esquerdo resolveu acordar da sua letargia e fiz 12 dos 18 km com dores horríveis. Não valia a pena queixar-me. Não havia como irem buscar-me! Por outro lado, a paisagem é de tal forma bela e imponente que nunca me ocorreu desistir. De resto, não me serviria de nada! Tomar comprimidos sim, mas não os tinha trazido. O barco partiu agora. O mar é tão azul que até a espuma provocada pelos motores é azulada.

Agora vejo Agia Roumeli ao longe. É uma localidadezinha branca, entalada entre uma escarpa com cerca de 500m de altura e o azul intenso do mar.
Vamos ao dia. Quando o Iago soube que o desfiladeiro de Samaria era transitável, quis vir. Eu ofereci-me para vir com ele pois era uma prova exigente. Ele aceitou mas foi logo informando que ia dormir uma noite em Agia Roumeli para conhecer as pessoas e para voltar no dia seguinte a pé para onde eu vou agora de barco: Xôra Sfakia passando por Lutró. Xôra Sfakia é a localidade mais próxima onde há autocarros. Lutró, tal como Agia Roumeli, não tem acesso rodoviário. É por isso que estou só. Um não veio, decisão prudente e sábia (!), e o outro continua a loucura amanhã com uma caminhada de 24km pela escarpa sobre o mar. Espero que corra bem. Há coisas que temos de fazer na juventude. Esta, ele queria fazê-la. Falar-lhe dos perigos e tentar impedi-lo era inútil.

Saímos de casa às 5:30h. Autocarro às 6:30h. e duas horas pela serra acima durante 40km(!) de um caminho estreito e tortuoso onde até um carro passa apertado quanto mais o monstro do autocarro. O motorista parou diversas vezes para se cruzar com outros veículos e para acordar cabras selvagens, chamadas Kri-kri, que vêm dormir para o asfalto e se negam a levantar-se. Aos 2000m de altitude parámos. Não há mais estrada. Depois são 18km a descer até ao mar.
Tinham-nos avisado do calor, mas como o caminho é muito estreito, entre montanhas e arborizado, o calor não foi um problema. O problema mais sério é o desprendimento de pedras. Estão sempre a cair montanha abaixo. Os tipos, em vez de colocarem protecções, puseram uns sinais a dizer “Grande perigo. Ande depressa.” Nós rimo-nos. Se um tipo tiver de levar com um calhau na tola, tanto faz ir depressa como devagar! Ao fim de 1:30h tínhamos feito 6km e essa rapidez inicial foi o meu único erro. Na altura foi com medo de perder o barco mas agora trocava as dores por tê-lo perdido. O chão é muito irregular, feito de rocha solta. Partes do percurso são em leitos de rios que secam no Verão, e o meu joelho esquerdo ressentiu-se. O sétimo quilómetro foi uma tortura. Nesses primeiros 7km houve um rio que se cruzou connosco algumas vezes. Claro que fomos ao banho. A paisagem é verdejante e somos sempre acompanhados pela montanha ao nosso lado e, em muito locais, por cima de nós! É assustadora a forma como a montanha se “dobra” por cima de nós mas muito bonito. Nunca tinha visto nada assim. Entre o quilómetro 7 e o quilómetro 11,5 é a parte mais interessante do percurso, o desfiladeiro propriamente dito, e foi nessa fase que tive mais dores. Mas nem me queixei. Nesses 4,5km vimos a aldeia abandonada de Samaria que dá o nome ao desfiladeiro, andámos pelo rio dentro, tomámos vários banhos gelados, e passámos nos “Portões de Ferro”. Não são portões nenhuns, é o nome que deram à parte mais estreita do desfiladeiro. Tem só 3m de largo e cada parede tem mais de 300m de altura. É impressionante. Os últimos 6,5km foram são mais fáceis porque são a direito e o piso é melhor.
Chegámos a Agia Roumeli ao cabo de 6:15h porque fizemos um intervalo de 15m em Samaria. Não sei se voltarei a fazer este percurso na minha vida, mas gostava. A única coisa que faria diferente, era demorar 8h em vez de 6 e fazer a parte inicial mais devagar. Às vezes pergunto-me porque fazemos estas coisas e acho que é só para testarmos os nossos limites e procurar o desconhecido. Outras vezes, acho que não há razão nenhuma. Temos de o fazer e pronto.

Valeu a pena pelo percurso e por ter conhecido Agia Roumeli. Não há ali uma única caixa multibanco e não sei para que é que querem os seis ou sete carros que lá há porque aquilo tem três ruas e o porto. Só se for mesmo para transportarem coisas no barco e levarem para outras zonas da ilha. Mas o mar, meu Deus, o mar é maravilhoso. Deixei a câmara com o Iago, espero que ele faça fotos. Só não sei quanto tempo vou levar a recuperar do joelho mas tenciono colocar gelo logo à noite. Amanhã é dia de dormir muito, ir à praia e atacar novas surpresas gastronómicas. Já chega de esforços físicos. Hahahaha.
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Nota que não tem nada a ver com nada 1: houve um momento em que chegámos a uma zona a que as pessoas chamam “Santuário de Pedra”. Cada pessoa que ali passa faz um pequeno montinho com pedras. Como as pessoas são muitas, toda a encosta está coberta de montinhos de pedra feitos pelos caminhantes. Claro que fizemos um cada um.

Nota que não tem nada a ver com nada 2: Houve um momento em que estava sozinho, a ouvir os pássaros e as cigarras e passou uma doninha e depois uma cabra selvagem. De repente, apeteceu-me perguntar a Deus “Não queres mandar mais nada?”
Nota turística: o barco atracou em Xôra Sfakia. Agora tenho um percurso de 50km serra acima, serra abaixo em dois autocarros e cerca de duas horas.

Desfiladeiro de Samaria
Desfiladeiro de Samaria

Desfiladeiro de Samaria

Desfiladeiro de Samaria

Desfiladeiro de Samaria

Santuário de Pedra – Desfiladeiro de Samaria

Santuário de Pedra – Desfiladeiro de Samaraia

Lutró

Agia Roumeli

Agia Roumeli

Agia Roumeli


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 14

6/8/2010 – 18:14h. – Georgioupoli
Este foi, até agora, o dia mais cansativo desde que estamos na ilha. Visitámos a capital, Eráclio. Saímos de autocarro às seis da manhã e acabámos de chegar. Pensávamos que a viagem seria de três horas mas o autocarro das seis da manhã não faz paragens o que nos colocou em Eráclio às sete e meia.
A cidade decepcionou-me na medida em que, por ser a capital, é a mais descaracterizada. A única diferença entre estar ali e numa cidade portuguesa são os caracteres. Ainda assim, realço três aspectos: o porto veneziano, assim chamado porque rodeado a toda a volta por uma muralha veneziana, o museu de Cnossos onde finalmente pude ver ao vivo algumas das coisas que acompanharam a minha vida universitária há mais de vinte anos e, sobretudo, o mercado. Bem, há uma quarta que merece referência. A zona antiga e central da cidade tem alguns edifícios venezianos de uma beleza extraordinária.

O mercado de Eráclio não é num edifício fechado. Estende-se ao longo de uma rua inteira com bancadas de carne, peixe, frutas, legumes, queijos, cafés e produtos tradicionais. A rua fica praticamente coberta porque os toldos de um lado e de outro chegam praticamente ao meio.
Uma das paisagens mais interessantes da ilha vimo-la hoje. A uns cinco quilómetros da cidade, a meio de uma serra, vê-se toda a extensa baía de Eráclio e o casario que desce da montanha, pela costa, até ao mar.
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Pormenor cretense nº 1: Na ilha, só em Eráclio encontrámos um restaurante MacDonalds. Não usámos. Aqui não vale a pena porque é dos restaurantes mais caros que se encontra!
Pormenor cretense nº 2: Tomámos um café gelado e um capuccino no Starbucks. Preferimos casas tradicionais, não formatadas, mas era tão cedo que o Starbucks era praticamente a única casa aberta. Por todo o mundo, o Starbucks tem uma pequena caixa junto à caixa de pagamento de onde as pessoas podem tirar livremente moedas se lhes faltar uns trocos para completar o pagamento. Do mesmo modo, quando recebem trocos podem deixar algumas moedas de menor valor. É um sistema de entreajuda. Não é uma gorjeta. Os ingleses chamam-lhe “take a penny, leave a penny” que pode traduzir-se por “sirva-se de uns trocos, deixe uns trocos”. Ora, os gregos de Eráclio não estiveram com meias medidas e converteram aquilo numa caixa de gorjetas e o que lá estava escrito era “leave a tip”, “deixe uma gorjeta!” Como diria o ribatejano: “Mai nada!”

Pormenor cretense nº 3: Hoje tentei comprar em Eráclio uns cds para a máquina. Eu tenho uma dois em um. É uma máquina de filmar que grava em cd e, simultaneamente, uma máquina fotográfica que grava as fotos em cartão. Como não gosto de filmar, nunca trago cds, só cartões. Ora, o pessoal começou a dizer para eu comprar uns cds e filmar. Encontrei uma casa com um letreiro luminoso por cima da porta que tinha o símbolo da AGFA e dizia “Material Fotográfico”, também tinha um cartaz de colocar no chão com publicidade a produtos fotográficos. Quando lá entrei era… um supermercado que vendia tudo menos produtos fotográficos. A velhinha que lá estava explicou-me que compraram a loja assim, mudaram o negócio mas nunca tiraram os letreiros. E todos os dias põem o cartaz na rua!
Nota gastronómica atrasada: A comida destes tipos é tão boa quanto eu estou a engordar a olhos vistos! Ontem, já depois de ter escrito o resumo da visita a Rethimno, fomos jantar aqui em Georgioupoli a um local onde já nos vão conhecendo. A comida é muito boa, caseira, e as pessoas são muito simpáticas. É o Nostos. Como já experimentámos a gastronomia mais conhecida em diversas versões, o “tzatziki”, o “giros”, a “moussaka”, o “souvlaki”, a “loukanika xoriatika” (salsichas picantes com ervas aromáticas), o “guémistá”, a salada grega e a cretense, resolvemos aventurar-nos por pratos menos conhecidos dos turistas. E vai daí comemos “soutzoukakia”, carne picada feita em bolas em forma de ovo que é temperada com ervas aromáticas e refogada com pimentos, tomate e muita cebola. Come-se com batata frita e tzatziki. E comemos também “imam baildi” que são beringelas recheadas com couve, cenoura, tomate, pimento, malaguetas, muita cebola e queijo fetá. Primeiro é refogado e depois vai ao forno. Come-se com quê? Pois claro, batata frita e tzatziki.
Nota linguística humorada nº 1: como eu e a Paula somos formados em clássicas e estudámos grego antigo e literatura grega e como ainda leccionámos grego, servimo-nos de algumas semelhanças para facilitar a comunicação. Em primeiro lugar, não estranhamos o alfabeto o que é óptimo, em segundo lugar conhecemos muitas palavras e outras tiramos pelo sentido. Ora, tudo isto é muito lindo para ler instruções, menús, placas com nomes de localidades e outras coisas menores mas para a comunicação oral serve muito pouco porque as diferenças entre o grego antigo e o moderno são enormes. Por uma questão de respeito e também para nos integrarmos melhor, tentamos sempre falar grego.
Ora, ontem ao jantar pedimos, entre outras coisas, no melhor grego que conseguimos arranjar, uma “Coca-Cola grande”. Ficámos um bocadinho admirados quando a moça que nos estava a atender fez uma cara de grande espanto. E foi tal o espanto que resolveu deixar-se de brincadeiras em grego com os turistas armados em espertos e partiu para o inglês. A conversa que agora traduzo passou-se, portanto, em inglês.

– Tem a certeza de que quer isso?
– Sim, tenho.
– E o que é que quer mesmo?
– Quero uma Coca-Cola grande.
– Bem me parecia que alguma coisa estava errada!
– Como assim?
– Sabe o que acabou de pedir-me?
– Uma Coca-Cola grande!
– Não! Uma Coca-Cola com leite!

Depois da gargalhada geral, tirámos a confusão a limpo escrevendo na toalha de mesa. Aqui fica a confusão:

Nós dissemos “mia Coca-Cola mê gala, parakaló”
Devíamos ter dito “mia Coca-Cola mégala, parakaló”
Nota linguística humorada nº 2: um dia destes, estivemos a jantar num local onde gostamos de ir porque fazem um excelente “giros”. O Milos. Acontece que a moça que nos costuma atender, muito simpática, é búlgara, vive há dez anos em Creta para onde veio trabalhar mas não diz uma palavra em inglês. Ou melhor, diz três: “hello” e “thank you”. Nós, como já foi dito, lemos e percebemos algum grego mas falamos muito pouco. Quando lá vamos, abrimos a ementa e apontamos. Isso costuma resolver a coisa. Desta vez, contudo, precisávamos de dar uma ordem aos pratos. Este primeiro, aqueles depois. Foi exasperante e, ao mesmo tempo, cómico porque nem ela percebia o nosso inglês, nem nós o grego dela. Acontece que sempre que tentávamos dizer qual era o prato que queríamos primeiro, ela riscava-o da encomenda e perguntava com um gesto interrogativo qualquer coisa que devia ser “Então em vez deste vai ser qual?”
Então, tínhamos de repetir todo o pedido que ela voltava a escrever e quando tentávamos mudar outra vez a ordem aos pratos, ela riscava o primeiro e voltava a perguntar “Então e em vez deste?”
Parecia uma roda de malucos até que, no meio de explicações e contra-explicações, ouvimo-la dizer a palavra “proto”. E fez-se luz. A malta lembrou-se de proto-história e depois do significado de “proto” em grego: primeiro. Quando resolvemos isto, descobrimos que ainda faltava o resto do pedido! Vá de abrir ementas e apontar com o dedo que assim não falha.

Nota que não tem nada a ver com nada: desde que estou em Georgioupoli (uma semana), escrevi quatro capítulos de “De Negro Vestida”. E eram importantes! Necessitavam tranquilidade e força mental. Acho que encontrei ambas aqui!

Mercado de Eráclio
Mercado de Eráclio
Disco de Festo no Museu de Cnossos em Eráclio. Contém a escrita denominada de “Linear A”
Jarro em forma de cabeça de boi – Museu de Cnossos em Eráclio
Fresco conhecido como “O Príncipe dos Lírios” – Museu de Cnossos em Eráclio
Praça Central na zona antiga de Eráclio com fonte ao estilo veneziano
Edifício veneziano em Eráclio – serve agora como “Câmara Municipal”
Restaurante “Nostos” em Georgioupoli


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 13

5/8/2010 – 13:29h. – Rethimno

Estamos na fortaleza de Rethimno, a terceira cidade de Creta. No túnel que lhe serve de entrada. Deve ser o único local fresco da cidade. Resolvi registar o momento porque nunca tinha presenciado o que aqui está a acontecer. Eu já ouvira o canto das cigarras outras vezes, na Grécia ouvem-se por todo o lado, mas nunca com esta intensidade e amplitude. O pátio interior da fortaleza está cheio de pinheiras, as cigarras instalam-se nelas aos milhares e cantam todas em uníssono pela hora do calor. É um som de tal forma intenso que, entre as árvores, as pessoas têm dificuldade em ouvir-se umas às outras.

A fortaleza tem uma vista belíssima para a cidade e para o mar. Chegámos de manhã bem cedo e andámos percorrendo as ruas. Tomámos o pequeno-almoço num bar que não é para turistas, entre velhotes que começam o dia com aguardente, vinho branco, pepino, azeitonas, tomate e, claro, queijo fetá.
Hoje era dia de mercado de rua. Visitámo-lo e não pude deixar de notar o quão semelhante é este mercado às feiras de rua que temos semanalmente pelas localidades do Ribatejo.

Aqui em Creta há o costume de fazer figuras com o pão. Pão em forma de pato, gato, golfinho, caracol e, o mais trabalhado, pão em forma de coroa de flores. Comemos um “pato”. Era bom. Mas, mesmo bom, era o pão com frutos secos.

Rethimno – porto interior

Rethimno – fortaleza

Rethimno – pátio interior da fortaleza

Rethimno – figuras em pão
Rethimno – vista da fortaleza
Rethimno


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 12

3/8/2010 – 17:15h. – Georgioupoli

Acabámos de chegar. Hoje visitámos Xaniá. Saímos bem cedo de autocarro que é o transporte preferido pelos gregos e por isso o mais utilizado. Visitámos a igreja da cidade. Não me marcou como já tem acontecido com outros espaços religiosos. O que salta à vista e é o coração e o centro de toda esta cidade, a segunda maior de Creta, é o seu porto.
Há um porto exterior mais usado como marina para acolhimento de navios. Aí se destaca a extensa muralha por cima do mar até ao farol. E do farol tem-se uma vista lindíssima para o porto interior. Este está repleto de movimento com barcos com barcos com o fundo de vidro para observação da fauna marinha sempre a entrar e a sair carregados de turistas, lojas de recordações, decoração, livrarias, casas de café e restaurantes. Tudo num frenesim de oferta e procura com o intenso azul do mar como pano de fundo. Para trás da imensa meia-lua que é o porto interior fica um emaranhado de ruas pequeninas e estreitinhas com recantos, janelinhas e tabuletas de lojas com um traço típico e antigo. Algumas são tão estreitas que é possível, abrindo os braços, tocar ao mesmo tempo nos edifícios de ambos os lados da rua. E em todas estas ruinhas se abrem mais lojinhas, mais casas de café onde velhotes com o tempo todo pela frente bebem copos de água gelada e chávenas de café quente enquanto sorvem golfadas longas de cigarros suspensos em dedos rugosos e amarelecidos.

Visitámos o mercado e verificámos que o conceito é mais amplo que o nosso. Além do peixe, da carne e das frutas, eles têm pastelarias, bares, lojas de roupa, de cerâmica, de livros e, claro, casas de queijo. E têm também casas onde vendem mel e plantas apanhadas nas montanhas de Creta com as quais fazem chá. Neste mercado, os ruídos são idênticos aos nossos, mas os odores são mais intensos. e marcam mais fundo.

Hoje almocei “guémistá”. Eles cozem arroz com ervas aromáticas, depois recheiam tomates com esse arroz acrescentando ervas cruas, estufam os tomates recheados e servem com o maravilhoso tzatziki. É muito saboroso e não enche.
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Nota sobre costume grego 1: à medida que os dias passam, tenho vindo a reparar num costume muito próprio de Creta. Nos restaurantes quase não há oferta de sobremesa. Limitam-se a uns gelados e pronto. Primeiro estranhei, depois percebi porque era. Quando acabamos de comer, seja almoço ou jantar e pedimos a conta, eles trazem-na e, depois disso, o empregado ou o proprietário da casa trazem a sobremesa como oferta para mesa. É claro que não podemos escolher, mas é muito interessante reparar que eles fazem questão de trazer a conta para já não poderem alterá-la e assim evidenciarem que estão a fazer uma oferta. É mesmo uma atenção. Já nos ofereceram uma meloa descascada e partida, uma travessa com melancia, um gelado para cada um, um prato de figos e “Raki”que é uma aguardente tipicamente cretense que é suposto beber-se de “penalti” e cuja particularidade é não arder na garganta. Estes tipos não existem.

Nota sobre costume grego 2 (19:30): tinha acabado de escrever o comentário anterior e saímos à rua para comer um delicioso crepe com sumo de laranja natural no Eleanas Deli Bar onde somos sempre atendidos com extrema simpatia pelo Andreas. Tínhamos acabado e pedido a conta e ele veio oferecer-nos um prato com maçã cortada às fatias e um cacho de uvas. Disse-lhe que ele não existia por ser tão atencioso e ficámos conversando os dois sobre como é lamentável que as pessoas se estejam esquecendo de ser simpáticas umas com as outras. Ele defende esta simpatia como algo tipicamente cretense e eu tenho de concordar. “Efcharistós, Andreas” (Obrigado, Andreas).

Xaniá – recanto de rua
Xaniá – porto interior

Xaniá – farol

Xaniá – mercado

Xaniá – mercado

Xaniá – mercado


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 11

2/8/2010 – 14:47h. – Georgioupoli

Hora da sesta. Definitivamente.
A Dona Antónia esteve cá hoje para fazer a limpeza e trocar lençóis e toalhas. Faz isto dia sim, dia não. Hoje cruzámo-nos e ela esteve simpática e conversadora como sempre. Queixou-se da exploração que os gregos vivem por parte dos seus próprios políticos e por parte do governo da senhora Merkl. Não gostam dela na Grécia.

Depois, a propósito dos alemães, a conversa voou para a 2ª guerra mundial. Nessa altura, o avô dela, um homem novo, fugiu para as montanhas com toda a população quando os alemães invadiram Georgioupoli e deixaram-nos sozinhos sem ninguém para combater. Um dia, às seis da tarde, desceram à vila de surpresa e roubaram uma enorme panela de latão que estava cheia de comida para os soldados. Dona Antónia diz com ironia que tem a panela no jardim com flores e quando a senhora Merkl vier cobrar as dívidas aos gregos, ela paga-lhe a sua parte devolvendo a panela! Relembrou, a este propósito, que a Grécia foi o único país envolvido na 2ª guerra mundial que não foi indemnizado. “É hora de começar a descontar nessa dívida dos alemães”, diz.

Contou, com o brilho no olhar, que a mãe dela tinha cerca de 17 anos na altura da guerra e queria casar mas não tinha vestido. Certo dia, em que os alemães largaram pára-quedistas, a população foi abatê-los a tiro antes de chegarem ao chão. Depois, com burros, trouxeram as botas dos mortos e os pára-quedas que tinham muito que se aproveitasse. Como eram feitos de seda pura e branca, o vestido de noiva da mãe dela foi feito com seda de pára-quedas.

Dois irmãos da mãe foram defender um aeroporto que estava a ser atacado e foram feitos prisioneiros. Os alemães cortaram-lhes longitudinalmente as solas dos pés com facas para eles não poderem andar e, como tal, fugir. A mãe dela pediu aos alemães para lhes levar roupa lavada. Foi autorizada. Quando ela chegou à prisão, eles vieram ter com ela de joelhos e a rastejar porque não podiam andar. Vestiram a roupa lavada, envolveram os pés com a roupa suja e fugiram para as montanhas correndo e cambaleando.

Como íamos almoçar, deixámos a Dona Antónia a acabar a limpeza. Quando regressámos, para além do apartamento limpo, estava na mesa da cozinha um pratinho com três fatias de bolo de chocolate que ela fizera. São assim, estes cretenses, uma simpatia e uma alegria de viver a emergir do sofrimento ainda vivo.
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Nota: hoje escrevi um capítulo de “De Negro Vestida”.

Georgioupoli

Georgioupoli

Georgioupoli


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 10

1/8/2010 – 22:53h. – GeorgioupoliPreparo-me para dormir. E escrevo na cama. Isto de escrever está a tornar-se um vício. Hoje não estava para fazê-lo, mas ao fim da tarde fomos a pé até à capelinha branca no meio do mar e quis registar isso. A capela é dedicada São Nicolau (Agios Nicolaus) que é o padroeiro da ilha. O caminho é curto, cerca de trezentos metros, mas relativamente difícil porque é feito sobre rochas que não estão niveladas como se fosse preciso sofrer para lá chegar. Às vezes falam-me das águas marinhas das Caraíbas e do pacífico como sendo inigualáveis em cristalino e transparência. Afinal na nossa Europa também há disso. Há água do mar é tão cristalina que se vê o fundo com nitidez e os peixes e os caranguejos e os ouriços-do-mar.
Dentro da capelinha há umas imagens do santo que toda agente beija para depois se benzer. O benzer dos ortodoxos é um pouco diferente. Fazem um gesto cruzado, na diagonal, à frente do peito e ao terminar fazem um movimento como se atirassem alguma coisa para trás das costas.

O que achei interessante foi o fervor dos jovens. Aqui em Creta, os adolescentes e as crianças assumem os rituais com devoção e fervor. Não têm nenhuma espécie de vergonha dos seus rituais, bem pelo contrário. Incorporam-nos no seu quotidiano. Por exemplo, não há qualquer espécie de relação entre ser-se jovem e não ligar às coisas da igreja “porque isso é para velhos”. Bem pelo contrário. É muito frequente ver-se uma moça jovem, muito arranjada com roupa próprias da sua idade, ou um rapaz com um ar mais “metálico” ou “dread”, ou um grupo de jovens a passar na rua todos na galhofa e, ao passarem por uma igreja benzem-se de forma séria e depois continuam como se nada fosse, alguns entram beijam o santo e seguem à vidinha. Isto não é uma coisa pontual. Presencio isto a toda hora aqui na ilha e já era assim em Atenas. Eles são desinibidos e ostensivos na forma como assumem os seus rituais.

Quero registar outro aspecto. A genuína e exuberante simpatia dos cretenses. Não é uma coisa forçada, para turista ver. Eles são mesmo simpáticos e calorosos e desinibidamente tácteis. Já hoje, por duas vezes, pessoas que eu não conhecia de lado nenhum me deram uma palmada nas costas como forma de saudação e riram-se comigo. Eu sou assim e integrar-me-ia bem com esta gente, mas sei bem, por exemplo, o quanto me estranham em Portugal. Nós somos boa gente mas mais prudentes a ver no que a coisa dá, a dar tempo de conhecer as pessoas. Estes são mais espontâneos. Eu gosto das pessoas de riso fácil e franco. Os cretenses são assim.

Georgioupoli – Capela de São Nicolau
Georgioupoli – Capela de São Nicolau
Georgioupoli vista da Capela de São Nicolau


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Creta 2010 – Diário de Bordo – 9

31/7/2010 – 20:04h. – GeorgioupoliEstamos na praia, Sim, eu trago o caderninho para todo o lado. Até para a praia. Não tinha a intenção de escrever, mas experimentei agora um fenómeno que me obriga a uma nota. Acabei de sair do mar. Georgioupoli tem uma capelinha branca de formas arredondadas construída a uns trezentos metros da costa. À sua direita ficam as praias orientais, de água morna. À sua esquerda fica a praia ocidental. É nesta que estou.

A praia é grande e tem a particularidade de ter em cada extremidade um rio. Os dois desaguam aqui. A fauna é extraordinária e a pesca um modo de vida. Há pouco estivemos a conversar com um pelicano que estava na margem de um dos rios que é também a beira da estrada que dá para a praia. Até deixou fazer festinhas. Fingiu que reclamou mas não se mexeu de onde estava.

Vamos à curiosidade desta praia. A água do mar é quente por baixo, de um quente chuveiro, ou seja, mesmo muito quente, e fria, mesmo muito fria, por cima! Por outro lado, em baixo é muito salgada, até faz arder os olhos e por cima é doce, bebe-se como se fosse água de garrafa.
A mulher e o filho, que são os inteligentes da família, lá foram explicando cientificamente o fenómeno. Não me interessam muito as razões. Sei que é extraordinário boiar e ficar gelado, mergulhar e ficar completamente aquecido. É possível mergulhar e, a meio do caminho entre o topo frio e o fundo quente, parar, abrir os braços e as pernas e ficar a “planar” como os tipos que saltam dos aviões antes de abrirem os pára-quedas. Não se vai para baixo porque a água salgada e quente empurra para cima e não se vai para cima porque a água fria e doce empurra para baixo.

Ainda agora cheguei e a Natureza de Creta já me fez uma surpresa.

Georgioupoli – o azul intenso e cristalino da praia “quente e frio”

Georgioupoli – praia ocidental ou praia “quente e frio”

Georgioupoli – praia ocidental ou praia “quente e frio”

O pelicano de Georgioupoli e seu inseparável amigo, o cisne.