Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Não há Professores? Onde está a surpresa?

24 comentários

Imagem: http://www.expresso.pt

Afinal, ao contrário do que anunciavam as teorias mais pessimistas, há cerca de uma década, a Escola Pública não corre o risco de acabar por falta de alunos. É mesmo por falta de professores!

Meias Notícias.

Nos últimos dias, o Expresso online publicou duas notícias sobre o assunto e colocou o foco, erradamente, na minha opinião, no facto de haver muitos professores de baixa médica. É verdade que os há e são muitos, mas não é a única forma de abandono. Muitos docentes optam por mudar de profissão. Hoje em dia, é fácil encontrar profissões com muito melhores condições de trabalho, mais estimulantes e valorizadas. Muitos outros reformam-se antecipadamente, mesmo perdendo 50% do valor da reforma. Preferem sair com muito pouco do que continuar a suportar um quotidiano muitíssimo desgastante e muito pouco valorizado e reconhecido. E há, ainda, os que já não querem ser professores. Quiseram, em tempos, mas descobriram, entretanto, que a profissão é muito exigente intelectual e fisicamente, pouco reconhecida e muito mal remunerada. Mudaram de sonho. Foram ser felizes de outra forma.

Fins de Semana e Férias Grandes

Uma das vitórias dos sucessivos governos, quer assumissem a Educação como paixão, quer não, foi criar a ideia de que a profissão docente era privilegiada porque tinha, ao longo do ano, diversas paragens, fins de semana e férias grandes. O absurdo foi tal que, de forma perfeitamente subversiva, substituíram a palavra “férias” por “interrupção das atividades letivas”. Um absurdo. Em primeiro lugar, porque durante essas interrupções os professores estão a trabalhar, depois, porque as suas férias estão contabilizadas como as de todos os outros trabalhadores e, por fim, nem sequer ficam a dever nada a ninguém porque são dos poucos trabalhadores do mundo que assinam o ponto de hora a hora, todas as horas, todos os dias. Nota-se mais quando um professor falta porque no dia em que ele falta o número de pessoas que sabe disso pode ir até 800! Se for um funcionário de uma empresa, sabe ele, o chefe e o colega e do lado e… ninguém lhes pede por contas… ou pedem… uns aos outros!

Esqueceram-se de referir, os políticos e os veiculadores de opinião pública, que esta é uma das profissões mais desgastantes na nossa sociedade. E não é preciso ser-se professor para saber. Os cônjuges dos professores sabem porque não saem à noite, nem vão de fim de semana porque a mulher ou o marido está a corrigir testes, a ver TPC, a fazer um plano de aulas, materiais, testes diagnósticos, trabalhos de parceria, etc… etc…

Não se quis saber do desgaste e cortou-se no artigo 79º do ECD (menos horas de aulas por idade), aumentou-se o número de alunos por turma, reduziu-se tempo do professor para o professor estar com o professor! Complicado? Eu explico: como se trata de uma profissão de alto desgaste, o docente necessita de tempo para perceber o que está a fazer, para refletir e para cortar o desgaste da exposição. No que respeita ao tempo de trabalho, criou-se uma complexa e inexequível grelha horária que só trouxe mais horas de ocupação aos docentes.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Os Endinheirados

Simultaneamente, surgiram notícias de que esta classe profissional era muito bem paga. Até houve uma alma brilhante que referiu tratar-se de uma das mais bem pagas da Europa. O que é objetivamente falso. Os docentes são mal pagos, em absoluto, e são mal pagos tendo em conta a exigência da profissão. A consequência de ter-se criado esta ideia foi simples: estratificou-se mais a carreira, eternizou-se o trabalho precário, e pagou-se ainda menos. Além disso, suprimiram-se 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho que nunca foram devolvidos. Basicamente, houve docentes que estiveram sem progredir mais de uma década, a mesma década em que perderam cerca de 40% do seu poder de compra. É por isso que, quando comparam os docentes aos trabalhadores do privado, os professores riem-se. De ironia e desespero.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Progressões Diretas

Ao mesmo tempo, nesta mesma década, quis desacreditar-se a profissão docente com o intuito de se operarem cortes financeiros na mesma. Uma das estratégias peregrinas foi disseminar a ideia de que os professores progrediam diretamente, sem qualquer escrutínio. E vai daí, implementaram-se modelos de avaliação de desempenho complexos, muito burocratizados e esvaziados de qualquer utilidade. É curioso que, ao mesmo tempo, os alunos portugueses estavam a dar cartas no PISA, no TIMSS, nas universidades nacionais e estrangeiras e no mercado de trabalho um pouco por todo o mundo. Nisso, poucos repararam. A maioria estava entretida a mandar avaliar esses preguiçosos, privilegiados a viver à custa do dinheiro dos contribuintes com progressões diretas. Por ironia, parece não haver dinheiro de contribuintes, ou não, que atraia os tais preguiçosos. Devem ter ido preguiçar para outro lado. E foram. A carreira, tal como está desenhada, não atrai os mais novos, prejudica os de meia idade e expulsa os mais velhos que não conseguem aturar a pilha de papéis sob a qual os querem soterrar antes de darem a primeira aula do dia.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Opinião Pública

A opinião pública dividiu-se. Muitos apoiaram os docentes. Pais e Encarregados de Educação incluídos. Muitos outros criticaram-nos de forma acérrima e violenta e todos pensaram que podiam falar de Educação. Não podiam. Porque não sabiam, mas ninguém os informou disso e os veiculadores de opinião, e as associações das associações de pais, sempre em nome do melhor para as crianças, e jornalistas, sociólogos, politólogos, opinadores, comentadores, analistas, o gajo no balcão do bar, a senhora na fila da loja do cidadão, o tipo no comboio e o outro no autocarro, todos, de repente, ficaram especialistas em Educação, esqueceram-se de que já havia especialistas em educação, os professores, e lá foram vomitando opiniões, ideias peregrinas e outras que tais para endireitar essa corja de beneficiados. E não pensaram, nem viram, que estavam a desgastar e a desacreditar alguém em quem deviam confiar. O mais curioso é que criticavam, mas continuavam a mandar os miúdos à escola…
Veio o tempo das comparações com o privado até se descobrir que os putos da Escola Pública chegavam mais longe nos cursos superiores e com melhores notas, e veio o tempo das comparações com a Finlândia até se descobrir que boa parte da mão de obra qualificada na Finlândia era portuguesa… ups!
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

E agora?

Agora não há professores. Não há.
Uns estão de baixa, desautorizados, desvalorizados e agredidos, são a principal fonte de clientes para a psiquiatria. Outros reformaram-se com cortes brutais nas pensões. Preferiram isso a ir parar ao psiquiatra. Outros mudaram de profissão. E a mesma opinião pública que desacreditou a profissão incutiu nos mais novos a ideia de que a profissão não valia a pena. E eles, que são bons ouvintes e inteligentes, escolheram outros caminhos. O irónico nisto tudo é que muitos dos críticos destes profissionais andam, neste momento, à procura de um desses profissionais e não o têm. Por preço nenhum!
E agora, meus amigos, não há outro caminho que não seja o de revalorizar a profissão. Vão ter de pagar aos professores para terem professores. E as médias de entrada no ensino superior para formar professores vão ter de subir. Eu bem sei que a medicina é fantástica e as engenharias são soberbas, mas sem professores, sem esses aptos criadores de ambientes de aprendizagem, não há medicinazinha, nem engenhariazinha… é que para se ser qualquer coisa na vida tem de passar-se por professores, mesmo para se ser professor. Por isso se chama de meta-profissão. Ora, as faculdades que formavam professores, as mesmas que costumavam estar a abarrotar de candidatos às centenas, a encher auditórios para aulas com 200 e 300 alunos a assistir, têm lá, agora, uma mão cheia deles num gabinete exíguo e alguns vão descobrir, entretanto, que não vale a pena…

Enquanto o país não assumir a Educação como uma prioridade nacional, A prioridade nacional, enquanto o país não decidir dignificar esta carreira e estes profissionais, todo o edifício cultural e profissional continuará a desmoronar-se. E qualquer dia não serão só os professores que não existem. Não existe mais nada. Não existe país. Dignificar a profissão docente não é uma opção, não é objeto de discussão. É uma urgência nacional. Ou faz-se, ou morre-se por não ter feito.

João Paulo Videira, Professor.

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

24 thoughts on “Não há Professores? Onde está a surpresa?

  1. Pingback: 11 anos de “Mails para a minha Irmã! | Mails para a minha Irmã

  2. Este texto é um exemplo do porquê a luta dos professores ter sido tão pouca simpatia pelo publico em geral. É arrogante e desprovida de qualquer perspectiva que não seja a do professor, considerando qualquer outra profissão é menor e de baixa intelectualidade. Depois de ler isto, não soubesse eu nada da vida, ficaria a pensar que esta é a unica profissão que existe onde há stress, injustiça e a quem a „crise“ atacou.
    Não duvido da competencia que é necessária para se ser professor ou até da extrema importância que tem para a sociedade, mas acredito mais num discurso que seja conhecedor das realidades alheias e que valorize a profissão de uma forma mais credível.
    A escrita deste texto é para mim má e não apela à simpatia que esperava até porque como disse concordo que para professores precisamos de competência e essa deverá ser reconhecida e remunerada.
    Concluindo, os piores inimigos dos professores são talvez os proprios professores, ou pelo menos os que pegam no microfone para dar voz às suas reivindicações.

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  3. Gostei e muito ! deixo aqui dados que tenho e que corroboram com a falta de professores. Neste ano 2018/2019 existem 9 alunos, estagiários, do Curso do Ensino Básico da universidade dos Açores .

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  4. … E há os professores que fizeram e continuam a fazer a diferença e nos fazem perseguir sonhos e continuar a ser Professores 😉 Obrigada. Rita T

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  5. Como professor que sou, já pensei em mudar de carreira mas não o fiz porque estou convicto que o nosso papel na sociedade ainda tem futuro, por mais negro que o seja agora. A próxima década será difícil mas Deus queira que o governo abra os olhos…

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  6. Excelente artigo!!! Eu, que já trabalhei no privado, durante alguns anos, iniceiei a careira de professora pouco antes desta sercongelada e enquanto continuava congelada e “aproveitando” um problema de saúde de cariz oncológico, mudei de profissão, revejo-me em tudo o que diz. É verdade que os “cônjuges dos professores sabem porque não saem à noite, nem vão de fim de semana porque a mulher ou o marido está a corrigir testes, a ver TPC…” .Por isso ouvi tantas vezes do meu marido “… realmente só é professor quem não sabe fazer mais nada…” . Tanto ouvi que logo que pude mudei de carreira…

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  7. Sábias e verdadeiras palavras. Muita tristeza pela realidade por todos os professores vivida. Parabéns pelo texto.

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  8. Há falta de professores? eu admiro-me como é que ainda há professores!!! eu não fui professora, mas quis Deus que eu desse explicações do ensino básico; 26 anos, que eu fiquei ligada à aprendizagem e aos professores das respectivas crianças! eu sei o que é ensinar… e também sei os problemas que os professores têm nas escolas, é quase preciso ser psicólogo para ensinar algumas das crianças, não por serem crianças! mas pelos problemas que têm em casa… Se eu escrevesse um livro sobre tudo o que sei sobre isso… eu dei tudo, por muito pouco, com pena das crianças! foram os professores que me deram o valor do meu trabalho! porque as noites que eu passei com as mãos na cabeça a pensar nos problemas dos outros, eles também passaram! Também pertenci a associações de pais, pelos meus filhos! aí também aprendi umas coisas! e também ajudei a melhorar certas situações, junto dos autarcas e em reuniões que eu própria fiz com os pais dos alunos nas sextas-feiras à noite! distribuir propaganda, na porta das escolas para chamar os pais às reuniões, também fiz com muito agrado! Já passaram uns anos! E agora, agora os pais também só falam, mas não ajudam a nada!!! é uma verdade, que eu confirmo!

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  9. Parabéns, muito bem escrito e a focar pontos essenciais! Revejo-me nessas palavras! Aguardo a dignificação da carreira.

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  10. Assim me revi no seu comentário que considero excelente. Faltam professores, pois faltam, mas da forma como têm sido tratados era esperado que isto acontecesse.
    Nunca desisti de ser professora mas momentos houve que pensei seriamente no assunto. Compreendo que os mais jovens fujam desta profissão pois ser professor é muito mais que uma profissão… É uma vida dedicada aos jovens.

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  11. Obrigada!

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  12. Excelente artigo!
    Eu também fui professora. Em boa hora saí do sistema.
    Desde aí tudo tem piorado.
    Tenho dito muitas vezes: Deixem os professores trabalhar! Deixem os professores ser professores!

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  13. Muito bem, Sr. Professor, tudo abordado ao teriam…tim…tim ( como se diz por cá). Obrigado.

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  14. Obrigado!

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